terça-feira, 9 de junho de 2009

Campanha contra a criminalização do Povo Xukuru

CARTA ABERTA
PELO DIREITO A DEFENDER DIREITOS
CONTRA A CRIMINALIZAÇÃO DO POVO INDÍGENA XUKURU

A Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados manifesta sua solidariedade ao povo indígena Xukuru e preocupação em relação à sentença condenatória contra suas lideranças políticas. O povo Xukuru é formado por cerca de dez mil pessoas incluindo crianças, homens, mulheres e anciãos que vivem em sua terra tradicional, na serra do Ororubá, município de Pesqueira, agreste de Pernambuco. Há décadas os Xukurus lutam para garantir o respeito aos seus direitos constitucionais, sobretudo a demarcação e homologação do seu território. A luta permanente deste povo por sua terra lhe rendeu uma mancha de sangue, com diversas lideranças assassinadas. Entre elas, o cacique Chicão Xukuru, vitimado a 20 de maio de 1998.

Dois anos depois, Marcos Luidson de Araújo, filho de Chicão, foi escolhido pelos Encantados – conselho de anciãos – do povo como novo cacique. As ameaças de morte passaram a vir em logo seguida. As investigações não foram a contento e esta omissão do Estado levou as organizações direitos humanos a denunciarem o caso à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, da Organização dos Estados Americanos (CIDH/OEA). A Comissão acolheu a denúncia e, entre outras coisas, determinou ao Estado brasileiro a proteção à vida do cacique Marcos e de sua mãe, Zenilda – o que nunca foi cumprido. Mesmo sob a determinação da CIDH/OEA de proteção, a 7 de fevereiro de 2003 o cacique Marcos sofreu um tentativa de homicídio dentro da terra Xukuru.

No episódio, os autores do atentado mataram dois jovens, Josenilson José dos Santos (Nilsinho) e José Ademilson Barbosa da Silva (Milson). Os jovens morreram ao tentarem impedir o assassinato do cacique. Esse fato gerou um sentimento de grande revolta e a comunidade indígena, indignada com a violência, resolveu expulsar do seu território todos os que apoiavam os criminosos: fazendeiros e alguns indígenas aliciados pelos invasores para tentar dividir o território indígena.

A Polícia Federal (PF) investigou o caso, porém, estranhamente, concluiu que não houve atentado contra o cacique e que Marcos provocou os incidentes que o vitimaram. Já o Ministério Público Federal concordou parcialmente com PF e, com o inquérito policial, denunciou apenas uma pessoa, José Lourival Frazão (Louro Frazão), pelo duplo homicídio, deixando de denunciar outras pessoas, por entender que elas agiram em defesa do acusado. Após o fato acima referido, um outro inquérito apurou os incidentes que resultaram na expulsão das famílias dos criminosos e dos seus seguidores. A PF indiciou trinta e cinco índios Xukuru, dentre eles o cacique Marcos, acusado de ter comandado os atos que ocorreram após o atentado.

O Ministério Público Federal aceitou a investigação policial e denunciou trinta e cinco índios Xukuru pela prática de diversos crimes. No mês passado – maio de 2009 – saiu o resultado do processo. O cacique Marcos e mais trinta índios denunciados foram condenados pela 16ª Vara da Justiça Federal em Caruaru (PE), a penas que variam de um a dez anos de reclusão, além de indenizações que somam mais de cem mil reais.

Na sentença que condenou o cacique Marcos, o juiz de 1º grau desconsiderou que o cacique foi vítima, e não réu, naquele episódio. E o magistrado também deixou de ouvir testemunhas capitais. Estas condenações se inserem no contexto de criminalização do povo Xukuru. Atualmente, pelo menos quarenta e três indígenas Xukuru estão sendo processados. Dois estão presos, trinta e um foram condenados e os outros dez aguardam julgamento. Os interesses de elites políticas e econômicas da região estão por trás dessa tentativa dedesestruturar o povo Xukuru. Esse processo de criminalização foi denunciado novamente à CIDH/OEA, em março de 2009.

O parlamento brasileiro e, em especial, a Comissão de Direitos Humanos e Minorias, diante dos fatos acima narrados, não pode ficar em silêncio.Dentre as suas prerrogativas institucionais consta que uma de suas tarefas é se deter a assuntos referentes a minorias étnicas, especialmente os índios e suas comunidades em defesa das terras tradicionais, conforme determina o artigo 32, inciso VIII, alínea E do Regimento Interno da Câmara dos Deputados.
Além disso, a CDHM abraça essa luta para proteger o inalienável direito a ter direitos e a agir politicamente pelo respeito, pela proteção, pela promoção e pelo provimento destes direitos. O direito humano à participação política é,precisamente, o que situa as pessoas no mundo e identifica o seu lugar político. Ademais, este direito é o que confere legitimidade à ação e à organização dos sujeitos sociais política e economicamente minoritários e desfavorecidos na sociedade, caso dos povos indígenas.

Os indígenas, suas comunidades e grupos são sujeitos políticos e, nesta linha, a pressão social por seus direitos é algo legítimo e está situado dentro dos marcos do Estado Democrático de Direito. Pelos relatos, se percebe que o direito de defesa dos indígenas foi cerceado e que as investigações precisariam ter sido mais aprofundadas, pois tratam-se de questões e conflitos complexos.Por isso, mesmo diante das condenações, enquanto houver recursos é preciso recorrer para que a justiça, ao final, prevaleça.

Neste sentido, a Comissão de Direitos Humanos e Minorias desta casa apela para a sensibilidade do Superior Tribunal de Justiça (STJ), no sentido de que o mesmo reveja estas sentenças condenatórias, no intuito de restabelecer a paz e os direitos constitucionais do povo indígena Xukuru. A causa indígena não pode ser encarada como algo simples e não será criminalizando os povos indígenas que os conflitos existentes serão solucionados, mas com acompanhamento sistemático e implementação de ações preventivas de violência, bem como de proteção e garantia dos direitos fundamentais deste segmento social.

Brasília (DF), 4 de junho de 2009.


Deputado Federal Luiz Couto
Presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados

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